Trabalhando com projetos
Celso Antunes
Introdução
O
conceito pedagógico de projetos é um conceito extremamente simples. E esta
simplicidade acaba dificultando a sua compreensão, porque tudo aquilo que é de
tal forma simples e objetivo, pode induzir a uma abertura e fazer com que esta
ideia seja vista por muitos ângulos. Por isso ceio que a primeira que se
precisa ter com clareza é o que é um projeto. Claro dentro do ponto de vista
pedagógico.
Projetos
Porque
a palavra projeto se abre para diferentes perspectivas: projeto arquitetônico;
de uma defesa ou de uma acusação jurídica; o projeto de uma intervenção
cirúrgica... Portanto, todas as profissões possuem determinados atos que podem
ser precedidos de uma ação e não é anormal que a esta ação se dê o nome de
projeto.
Dentro
do contexto da escolaridade, “projeto é uma investigação desenvolvida em
profundidade, em torno de um determinado assunto”. Toda investigação,
desenvolvida por todos os meios e com toda a profundidade que as condições
requerem, envolvendo a busca de uma solução, induz à ideia de projeto.
Isto
nos leva a crer que, se tomarmos a palavra projeto num sentido bem amplo, ele
pode ocorrer numa aula, num segmento de aula. Pode ocorrer no contexto do
trabalho de um professor tradicional que durante uma fase, substitui sua
maneira de explanar pela aplicação de um projeto, como ele pode envolver toda a
escolaridade e a escola toda trabalhar através de projetos. Então, não podemos
circunscrever a palavra projeto a situações muito específicas, volto a repetir,
porque esta ênfase é de importância incontestável.
O
professor dá aula durante o ano inteiro e, num determinado período, pode
anunciar: “Durante esta semana – ou durante esta quinzena –, vamos substituir a
rotina das aulas convencionais, porque todos nós vamos nos empenhar na busca da
resposta a uma questão intrigante. ” E, portanto, se fechar num projeto.
Podem
ocorrer projetos interdisciplinares, onde todo o saber chega ao aluno, porque
saber chega sob a forma de quesitos que devem buscar a investigação e a
investigação se concentra neste sentido.
Porque trabalhar com
projetos
Poderia,
entre muitas referências que pudesse buscar para consolidar esta resposta,
dizer que existem no mundo poucas escolas que se constituem referência
internacionais. Não são muitas. O que é compreensível, porque cada escola tem a
peculiaridade de atender a uma clientela que lhe é própria. E, muitas vezes,
aquela escola é excelente para aquela clientela, mas não permitiria que se
transferisse para outra. Mas grande parte das escolas que são referências
mundiais pela qualidade do trabalho que desenvolve, trabalha com projetos, em
particular, dentro do campo explícito da educação da educação infantil, o
exemplo mais conhecido e mais popular é o exemplo de “Reggio Emília”.
“Reggio
Emilia” é uma comunidade situada na parte noroeste da Itália, mais ou menos a
70 km de Bolonha, onde não poucos educadores consensuam que ali se pratica a
melhor educação infantil do mundo. E é uma educação infantil praticada há mais
de sessenta anos, portanto, suas referências, em termos de gerações, consolidam
a sua qualidade. E “Reggio Emília” trabalha em projeto. Trabalha com projetos e
não concebe outra forma de desenvolver a ação educativa, senão através de
projetos.
É
importante reiterar que não estou pretendendo dizer que devamos trabalhar em
projetos, porque uma determinada entidade educacional, que é uma referência
mundial, assim o faz. Não é isto. Mas estou procurando mostrar que, se
buscarmos referências internacionais, muitas delas se convergem para esta forma
de ação, e no contexto deste dado, “Reggio Emilia” citei como único exemplo,
como poderia, obviamente, buscar outros exemplos.
Então
uma das razões é a “qualidade e a essência” com que algumas escolas buscam este
caminho. A criança, o adolescente que aprende a trabalhar em projetos, ele não
aprende apenas coisas, ele “aprende a aprender”.
É
possível afirmar que uma pessoa bem sucedida é uma pessoa que tem projetos. Tem
projetos quanto à sua carreira profissional, quanto à sua realização
interpessoal, quanto à sua vida familiar. E que, portanto, quando aquela escola
onde cresce trabalha com projetos, ele aprende uma metodologia de ação que
acaba ajudando-lhe a ser uma criatura mais completa, a desenvolver um trabalho
com mais eficiência.
Transitoriedade dos
conceitos
O
tráfego do saber no projeto é sempre efêmero, porque uma investigação em
profundidade sobre um tema não mata respostas sobre este tema, envolve outros
níveis de profundidade. E enquanto em uma escola que não trabalha em projetos
pode trabalhar com saberes que não são perenes, de saberes que são efêmeros.
Por exemplo, trabalhar a Guerra Fria. Há vinte anos atrás, era um imperativo
absolutamente imprescindível nas Ciências Humanas, tanto na educação do ensino
fundamental, como no ensino médio. Hoje, a Guerra Fria á apenas uma referência
histórica. O mundo perdeu aquele seu contexto de envolvimento que o
caracterizava como sendo o mundo do dólar e o mundo do rublo, como foi em certa
época.
Então,
enquanto escolas que trabalham saberes podem sentir a perenidade destes
saberes, o projeto não, porque como o projeto envolve mais a compreensão do
aluno em uma metodologia de ação diante do desafio, do que propriamente o acúmulo
de conhecimento, isto envolve este tipo de perenidade.
Por
tudo isso se conclui que é muito importante ao professor aprender a trabalhar
projetos, porque se a estrutura escolar em que ele trabalha não faz do sistema
de ensino um uso de projetos interdisciplinares, isto não exclui o fato de que,
no âmbito específico da disciplina dele, capaz de sugerir outros caminhos,
outras ideias.
Por
isto creio que tão importante quanto conceituar projeto, do que justificar
experiência com projeto, é responder a questão como trabalhar projetos.
Alguns modelos de projetos
Só
que antes de dizer como trabalhar projetos, até para ilustrar de uma maneira
mais significativa a conceituação e a qualidade, queria fazer alguns
comentários sobre alguns projetos. Porque com a descrição destes modelos a
ideia se torna mais consistente e, a partir daí comentar-se os passos a cumprir
se torna mais fácil.
Uma flor cor de laranja
Lembro-me
que, há muitos anos atrás, dava aula para uma escola particular, em São Paulo,
que atendia alunos de uma classe média alta e fazia parte dos conteúdos que eu
deveria desenvolver o tema segregação. Deveria trabalhar com os alunos o
fenômeno mundial da segregação, fazendo até estudos de casos: segregamos ou não
segregamos as nossas minorias (?); os negros dos Estados Unidos – naquela época
se questionava muito a liberdade racial – são segregados ou não são segregados
(?); a África do Sul era um país ensandecido pala “Apartheid”; nos Estados
Unidos a “Klux Klux klan” fazia muito movimento. Então, o tema segregação era
muito presente nas ciências humanas e fazia parte do meu trabalho com esses
alunos, quinze, dezesseis anos, trabalhar a segregação. E fiquei muito
preocupado, porque senti que, pertencendo a uma classe média alta, vivendo uma
vida extremamente consumista, excepcionalmente diferenciados da maior parte dos
brasileiros, os meus alunos poderiam discorrer sobre segregação, citar
exemplos, mas jamais poderiam senti-la. E pensei que a única forma que eu teria
para fazê-los “sentir a segregação, era desenvolver um projeto”. e assim
iniciei com as turmas que, seria hoje alunos do início do ensino médio, na
época 1º ano Colegial, um projeto ao qual dei o nome “uma fita de cor laranja”.
Em poucas palavras, sintetizando, o projeto se caracterizava dessa forma.
Quando
trabalhava o tema segregação, um dia disse a uma classe: “Tenho aqui comigo um
rolo de uma fita cor laranja”. Queria verificar se alguns de vocês aceitariam a
incumbência de se tornarem voluntários para amarrar esta fita na testa e
mantê-la amarrada durante uma semana. E queria pedir a todos os demais alunos
da classe, que não comentassem o porquê desta atividade. Porque ninguém da
escola, nem a Diretora, nem as outras classes, nem os professores, sabem o
porquê da fita. “Porque o meu propósito é investigar que tipo de reação, em
ambientes diferentes com adereços não comuns, pode provocar”. Os alunos, como
de praxes nesta idade, se empolgaram. Reiterei a importância de que todos
participavam, porque alguns iam ter a fita na testa, mas todos os outros,
certamente interrogados por outros, deveriam apenas mencionar que aquilo era um
projeto e que, portanto, não poderiam entrar a detalhes, a não ser quando o
mesmo se concluísse. E, isso posto, escolhi, entre os voluntários que se
propuseram, aqueles que poderiam vestir a fita. Alguns alunos a colocaram e ficamos
aguardando as reações que isto poderia provocar. Todos perceberam a sua ação
cúmplice: não poderiam contar a ninguém porque alguns de seus colegas estavam
com fitas de cor laranja.
Bom,
a reação que isto provocou foi absolutamente surpreendente e extremamente
chocante. E não demorou a ocorrer. Terminada minha aula, um determinado
professor me substituiu e, ao olhar a sala e perceber que alguns alunos e
alunas tinham uma fita presa na testa, não os advertiu para que tirassem,
porque se o fizesse estavam instruídos para tirar. Eles não poderiam contar o
porquê, mas não deveriam estar expostos a agressões recusando tirar. Mas não
pediu. Sentou-se, fez a chamada, como de praxes, colocou no canto da cousa um
exercício. A classe, por sua rotina de ação sabia que deveria fazê-lo e
percebeu que o exercício era muito além do nível da classe. E quando se
insurgiram, ele os acalmou: “Não, esse exercício não é para todos, como sempre.
Existe aqui nas classes homossexuais masculinos e femininos que vieram vestidos
com fita cor laranja e somente eles deverão fazer os exercícios. E vale para
nota”. Sem nenhum exagero, talvez tenha sido a menos das agressões que
sofreram. A partir daí, os ambientes que frequentavam. Vinha primeiro a
pergunta com a graça do humorismo: “Por que esta fita(?)”e quando os alunos,
instruídos, diziam – isto é um projeto que estamos desenvolvendo, dentro de uma
semana falaremos, começavam a surgir tapas, agressões, proibições, apelidos, de
tal intensidade que no terceiro dia senti que o clima de leveza que aos alunos
portavam ao assumirem a compromisso, transformava-se num clima de extrema
tensão. No quarto dia, quando cheguei na escola, vi um aviso de que deveria
procurar o diretor, também ele não sabia da atividade. Ao entrar na sala dele,
foi peremptório: “Não sei o porquê dessa aventura de fitas, mas mandei que os
alunos a tirasse, porque o pessoal do 3º ano Colegial havia combinado organizar
uma sessão de humilhação e espancamento aos alunos que estavam com fita. Como
isso chegou ao meu conhecimento, mandei tirar”.
Foi
possível fazer um trabalho muito interessante. Porque com a ordem do diretor as
fitas foram tiradas. Mas aquele que é segregado por sua cor não pode tirá-la.
Aquele que é segregado pelo seu corpo, que não obedece aos padrões estéticos,
não pode tirá-lo. Aquele que incomoda por sua cadeira, não pode jogá-la para
fora. Então, costumo citar este exemplo, porque o projeto fracassou não se
concluiu, mas o objetivo, que era aquela “investigação”, de perceber que a
segregação está muito à flor da pele e que quando nos tornamos diferentes, sem
justificativas sociais, para que aquelas diferenças sejam aceitas, isto
desperta um sentimento. Permitiu-me fazer com que os alunos compreendessem o
que era ser morador de um bantustan na África do Sul; o que era ser vítima dos
ataques da “Klux Klux Klan”, o que era, enfim, ser um indígena ou ser um
excluído, dentro de uma sociedade de classe, como a sociedade brasileira.
A sociedade pergunta
Um
outro projeto que presenciei, de extrema simplicidade, mas de uma grande
riqueza, foi numa escola municipal de Minas Gerais. Os professores se reuniram,
resolveram desenvolver um projeto diferenciado, mudando as características de
suas aulas e, por isso, quando os alunos chegaram na escola num determinado
dia, encontraram o pátio forrado de pedaços de cartolina, trazendo perguntas
intrigantes que apareciam penduradas no forro, perguntas que apareciam em
algumas árvores que existiam no pátio. Por exemplo: por que a água quando ferve
borbulha? Por que os pinguins não voam se têm asas? Por que o pico de uma
montanha está mais perto do sol e é mais frio que a base? Por que usamos
determinadas palavras com o sentido diferente do sentido que certas pessoas usam?
Desnecessário dizer que, ao encontrar a escola assim decorada,os alunos,
afoitos, corriam de um lado para outro, procurando saber o que aquelas
perguntas representavam e se perguntando quem ali as colocaram. Quando entraram
para a sala de aula, naquele primeiro dia daquele semestre que se iniciava,
todos os professores comunicaram: “Vocês devem estar estranhando estas
perguntas que aí estão, são as perguntas que induzem às aulas que terão. No
pátio tem pergunta de Matemática, de História, de Biologia, Ciências,
Geografia, tem perguntas de Língua Inglesa, tem perguntas de Educação Física.
Sabem como chegamos a estas perguntas? Vocês estão lembrados que no ano passado
entregamos-lhe uma folha de papel, nem nome era preciso assinar, para que
perguntassem o que queriam? Valia perguntas de novelas, perguntas de futebol,
de vida, de sexo, valiam perguntas de religião. Colhemos um mundo de perguntas.
Aí os professores saíram pelos arredores da escola, perguntando que coisas eles
gostariam de saber. Perguntaram ao padeiro, ao açougueiro, à dona de casa,
perguntaram, enfim às pessoas que encontravam. E aquele mundo de perguntas
ainda mais cresceu. Os professores se reuniram, integraram perguntas, porque
muitas eram similares, ou eram muito próximas e fizeram uma classificação:
estas devem ser respondidas pela História, estas poderão ser respondidas pela
Matemática, estas poderão ser respondidas pela Língua Inglesa, pela Ciências,
pela Língua Portuguesa e pela Geografia”.
Descobriram
que a maior parte delas eram perguntas interdisciplinares e que se respondida
por um não excluía a possibilidade de resposta por outro.
“Aí,
foi apenas a tarefa de esparramá-las pelo pátio. Agora você está tendo aula
comigo aqui, o inspetor de alunos está percorrendo o pátio e tirando todas as
perguntas. Quando você sair nenhuma delas estará no lugar em que esteve. Mas
preste atenção, porque cada aula estará respondendo uma ou algumas perguntas.
Quando você sair de uma determinada aula se interrogue: será que o que esta
aula respondeu estava afixado na portaria ou era aquela pergunta da
jabuticabeira? Será que aquela pergunta que, por acaso, estava ali na sala foi
a pergunta que o professor de Educação Física ajudou a ilustrar, ou será que o
professor de Matemática? E não se surpreenda se amanhã quando, por acaso, forem
à padaria ou ao açougue, o comerciante lhe perguntar alguma coisa que a escola
poderia lhe responder”.
E
durante seis meses todas as disciplinas se convergiam para responder perguntas
e dessa forma desenvolver conteúdos.
Tudo é uma bola
“Reggio
Emilia”, por exemplo, desenvolve projetos sobre “tudo é uma bola”. E nesse
projeto as crianças se envolvem para conhecerem tudo sobre bolas. Desde bolas
que trazem (bolas de futebol, bolas de ping-pongue, bolas de algodão, balas com
forma de bolas) e, pesquisando em profundidade tudo sobre bolas, aprendem que
as bolas rolam, e a contribuição da Matemática está presente. Aprendem que a
terra é uma bola e a contribuição da Geografia se apresenta. Aprendem que a
bola chamada terra teve outras formas Ed outros momentos e a História se
propõe. Aprendem que as células não deixam de ter formas também modificadas de
bolas. E, portanto, a interdisciplinaridade se integra na busca que envolve a
ideia do projeto.
Ora,
apresentadas as ideias de alguns tipos de projetos, cabe discutir: qual a
diferença do papel do aluno e do papel do professor, quando trabalha com
projetos ou quando trabalha de uma maneira convencional?
Os atores de um projeto
A
resposta é muito simples, embora a simplicidade da resposta oculte ações
procedimentais muito diferentes.
Em
poucas palavras, no ensino convencional o professor é proprietário da
informação, ele é o titular impoluto dos saberes que, em doses subsidiadas por
sua aula, ele passa aos alunos. Portanto, pensa-se o aluno como uma tábua rasa,
como um cérebro vazio que, progressivamente, vai sendo preenchido por aquelas
aulas onde lhe serão passados os conteúdos, onde lhes serão transmitias as
informações.
No
projeto, o professor muda, de maneira radical, de papel. O conhecimento, o
saber, não é mais propriedade sua. Ele é apenas um intermediador entre aquele
saber que está nos livros, que está na sociedade, na Internet, em toda parte,
que está na Ciência, e a forma como o aluno vai buscá-lo. Então, diria que o
professor conduz as ações do projeto, faz com que aqueles passos essenciais
para a consecução do projeto sejam caminhados. Ele é muito menos, permitam-me
uma comparação futebolística, técnico e muito mais o capitão do time. Ele está
jogando com aquela equipe, orientando a ação deste, orientando a ação daquele,
e conduzindo o papel deste, conduzindo o papel daquele. Por isso ele é o
indivíduo que vai proporcionar perguntas, para fazer com que aquela macro
questão que justifica e conceitua o projeto seja naturalmente alcançada.
Qual
o papel do aluno num projeto? Diria que, numa sala de aula convencional, o
aluno é predominantemente um espectador. Ele é aquele a quem compete colecionar
as informações passadas pelo professor, eventualmente memorizá-las e, depois,
dizê-las na prova.
“No
projeto, ele é um ser atuante, envolvido, participante, ele é um pesquisador,
literalmente pesquisador”. Esta condição de pesquisador não o exclui de ações e
papéis, muitas vezes aquele projeto vai envolver todos aqueles alunos na
pesquisa, mas não significa que todos eles vão pesquisar a mesma coisa. É
possível papéis diferentes naquela concepção, mas, de qualquer forma, em nenhum
instante o aluno se sente prisioneiro daquela carteira, imobilizado por aquela
condição de ouvinte, mas como elemento que está sendo acompanhado pelo
professor, ou por uma equipe de professores no desempenho, que é a consecução
integral daquele projeto.
A
aula convencional não não envolve ideias de natureza material e o trabalho com
projeto pode, sim, embora não seja imprescindível, “abrigar fazeres, abrigar
ação”. O projeto pode ser, por exemplo, fazer-se uma horta. Mas não fazer uma
horta apenas para que o aluno acompanhe o processo de germinação, mas para que
se perceba a importância da ação coletiva; para que se descubra o papel do solo
e, portanto, o seu cuidado; para que se acompanhem as condições metereológicas
que geraram o desenvolvimento da planta; e que, portanto, não leva apenas o
aluno a absorver a informação, mas leve este aluno também a aplicar aquilo que
sabe, também a agir, também a atuar.
Estabelecidos
os papéis que cabem ao professor e ao aluno, parece que é importante
discriminar quais devem ser os passos do projeto.
Passos do projeto
Costumo
elencar dez passos essenciais, mas, antecipo, essa quantidade é meramente
circunstancial. Creio que fica mais fácil explicá-los descendo a minúcias,
descendo a detalhes, mas nada impede que uma equipe de professores possa
integrar dois passos em um e fazer os dez passos transformarem-se em cinco, em
sete ou oito, como também não é de forma alguma inviável que desdobrem um dos
passos e, portanto, os dez se transformam em muitos outros.
Então,
no contexto desta colocação – vou mencionar os dez passos, e, desta vez, a
ordem com que vou apresentá-los é uma ordem que, mais ou menos, deve ser
seguida. Não há aquele rigor cartesiano, mas estou falando de dez propostas
cuja ordem é relevante na apresentação. Porque todo projeto é uma escada e a
ordem de posição do degrau é muito significativa para que possamos transpô-la.
Objetivo
Qual
o primeiro passo para a concepção de um projeto? Indiscutivelmente o objetivo.
Indiscutivelmente “o porquê, a razão, a essência daquele projeto”. Aquele
projeto porque aquela comunidade o fez?! Aquele projeto porque provavelmente se
em uma reunião com os pais e se quer alguma coisa nesta reunião apresentar?!
Aquele projeto porque a escola vai organizar uma feira de Ciência, ou feira de
Geografia, interdisciplinar ou cultural, e quer ter produtos verbais ou físicos
para apresentar?! Não importa, mas o “objetivo é o ponto central”.
E
objetivo não palavras mortas, não como discriminação de itens, mas com aquela
busca crucial de essencialidade da qual deve fazer parte em sua elaboração, não
apenas o professor, mas também o aluno. E se possível, melhor ainda, toda a
comunidade. Por que não dizer: “Olha, estamos organizando um projeto com tal
finalidade e queremos saber se os pais, os seguranças, os coordenadores, os
vizinhos, podem contribuir com alguma ideia para que se trone claro o objetivo
primordial do projeto”. Por isso a essência é o objetivo.
Eu,
particularmente, tenho muito medo desta palavra, porque muitas vexes a pessoa
coloca o objetivo como sendo uma discriminação de itens pouco aferidos com
aquela realidade efetiva do projeto. Aqui não, não importa. As linguagens podem
ser extremamente simples, mas aquilo precisa estar extremamente claro, nenhum
participante do projeto, seja qual for o seu papel, pode ignorar o que ele está
fazendo, porque está fazendo, com que finalidade está fazendo.
Perguntas
Definido
o objetivo, o segundo passo para a consecução do projeto são as perguntas. As
perguntas são micro-facetas da grande pergunta a que o projeto se propõe a
colocar. Diria que as perguntas se constituem num “acender de curiosidade”.
Então, de que maneira vamos buscar respostas a estas perguntas?
Desnecessário
dizer que estas perguntas não devem chegar prontas do professor para passar ao
aluno. O professor pode chegar com uma listagem de perguntas para excitar a
busca de outras, mas é natural que todos os alunos perguntem, que aquele elenco
muito grande de perguntas seja efetivamente feito, para que ao final, quando o
projeto se concluiu, perceba-se se todas foram respondidas ou se,
eventualmente, algumas não o foram. Talvez até não o foram porque o próprio
nível de conhecimento da ciência não tenha permitido que essa pergunta possa
ser respondida.
Fontes
A
terceira fase do projeto, terceira fase no que diz respeito à sua comunicação
aos participantes, mas seguramente pensada de maneira prévia, quando no projeto
se pensou, diz respeito às suas fontes. Onde buscar os “fundamentos para esta
investigação”?
Quanto
mais “amplas” e tanto quanto mais “diversificadas”, mais pródiga será a
realização do projeto. Então, nunca esquecer livros, enciclopédias,
dicionários, fitas de vídeos, CDs... Nunca esquecer a importância de
entrevistas com especialistas, entrevistas com pessoas da comunidade. Jamais
esquecer contatos com agências de comunicação, para que realmente se tenha em
mãos aquele vasto horizonte de meios de que dispõe para buscar as respostas. O
que não significa dizer que todas as fontes precisam ser consultadas. Às vezes,
na consulta de uma primeira, percebe-se que a dúvida foi devidamente
esclarecida, pode-se até, negligenciar uma outra. Mas é muito importante que o
aluno tenha seus olhos brilhando pela certeza de perceber que qualquer pergunta
que na vida se faça há muitos lugares para a resposta se buscar.
Faz
parte da tradição convencional da escola antequada a ideia de que toda pergunta
tem uma resposta em um único lugar e é muito importante que o aluno saiba que
os caminhos são muitos e há muitas possibilidades para buscá-los.
Fases
O
quarto passo é discutir as fases do projeto. o projeto tem que “ter começo,
meio e fim”. Um escritor não faz um livro sem azer um projeto deste livro. Um
dramaturgo não pensa em criar uma peça teatral sem dividi-la em atos, ou mesmo
que fazendo num ato, dividir as partes. Então as fases do projeto constituem
aquelas suas etapas primordiais: a “preparação”, a “apresentação”, a
“avaliação”... É uma sugestão de fase, mas é obvio que se pode colocar, em meio
a essas três, muitas outras. A fase da “pesquisa”, da “elaboração”, da
“apresentação”, da “conclusão”... então, tudo isso se constitui uma etapa muito
importante.
Esse
quarto passo nos induz ao quinto.
Cronograma
Diria
um cronograma de como essas fases irão ser desenvolvida, quase como uma
expectativa do tempo que se teria para que o projeto se concretizasse. Na maior
parte das vezes o tempo é restrito, a escola não propõe que o projeto possa
durar um tempo indefinido. Então que se estabeleça, que se coloque dentro deste
tempo que se tem os objetivos. Não me parece nenhum problema o professor saber
que ele tem três dias para que o projeto se conclua, ou que ele tem trinta
dias, desde que ele tenha seus objetivos subordinados ao tempo que ele dispõe.
Muitas vezes o tempo que se oferece é muita menor do que a grandeza de seus
objetivos, então, cabe modelar. Mas estas fases são fases cruciais.
Habilidades operatórias
Concluindo-se
as fases, um detalhe muito importante no projeto é os professores identificarem
quais as “habilidades operatórias aquele projeto está desenvolvendo nos
alunos”.
O
que é uma habilidade operatória?
Habilidades
operatórias são formas de pensamento, “são tipos de reflexões que levam a
pessoa a compreender, de uma maneira mais ampla, a pesquisa que faz”.
Habilidades operatórias é saber “comparar”, “classificar”, “analisar”,
“sintetizar”, “localizar”, “deduzir”, contextualizar” e uma série de outras.
Não é, de forma alguma, o meu propósito fazer uma relação de habilidades
operatórias, mas caracterizar estes verbos de ação para que realmente o
professor possa sentir que o aluno não tem apenas o resultado da informação,
mas que ele desenvolveu operações mentais, fazendo com que aquelas informações
tivessem sido percebidas. Aquele aluno sabe! “comparar”, “analisar”,
“sintetizar”, “deduzir”, e tudo isto foi propiciado pelo projeto, mesmo que às
vezes, esse projeto especial no qual se busca não tenha muito que sistematizar
o uso dessa habilidade. Mas ainda assim ela pode ser explorada?
Exemplificando
o que estou dizendo. Às vezes o professor pode dizer: “Mas não vejo porque,
neste projeto específico que estamos fazendo, é importante sintetizar”. Mas o
professor deve ter em mente que o aluno aprende a fazer projetos para fazer os
seus projetos de vida, para viver em função de projetos. E que, às vezes, esta
habilidade operatória negligenciada neste projeto pode ser importante para que
ele aprenda um outro. Porque o grande objetivo que perpassa isso é que amanhã,
ou depois, aquela criança, por exemplo, em casa, possa até dizer; “Pois é
mamãe, a senhora fez uma comida tão gostosa! Se a senhora quiser posso
desenvolver um projeto de pesquisa culinária para ajudá-la”.
Então,
reparem esta criança, sem nem saber, está dizendo para a mãe: tenho uma
metodologia científica. Não é relevante que ela saiba estas palavras, não é
relevante que ela faça configurações entre o projeto e metodologia que, em última
análise, nada mais são só que fases de um projeto. Mas é importante que ela
perceba a amplitude desta significação.
Ideias principais
A
etapa seguinte do projeto, depois da verificação das fases, é verificar quais
as ideias principais esse projeto vai caracterizar o processo de aprendizagem
do aluno. Isso não é muito fácil, mas é muito importante. Saiamos um pouquinho
do projeto, para depois voltarmos e colocar o significado dessas ideias
principais.
Se
nós temos uma determinada escola que não trabalha com projetos, mas nem por
isso deixa de desenvolver um ensino de alta qualidade. É perfeitamente
possível, ao cabo de uma semana, um mês, de um espaço letivo qualquer,
interrogar-se um aluno e dizer: “quais foram as ideias principais desenvolvidas
nesta semana? O que esta semana contribuiu para que mudasse sua visão de Língua
Portuguesa, da Matemática, da Geografia, da História, da Ciência? ” Então, da
mesma maneira que uma escola convencional permite o resgate de ideias
principais que marcaram aquele dia, que marcaram aquela semana, que marcaram
aquele mês, eventualmente até que puderem marcar aquele ano letivo, é
importante que não venhamos a omitir este aspecto do projeto.
O
projeto não visa substituir a aula convencional. Mas ele não pode, em
comparação com a aula convencional, deixar de caracterizar aprendizagens
significativas. Não tem cabimento, amanhã ou depois, aquele professor dizer:
“Não, meu aluno está despreparado para prestar o exame vestibular, porque nós
trabalhamos apenas com projetos”.
Não,
aquele aluno que trabalha com projetos deve levar bagagens de conteúdos tão
significativas quanto aquele aluno que não trabalhou. Por isto, que as ideias
principais devem mostrar que naquele projeto a Geografia está presente, onde
ele está presente, porque ele está presente, em que conteúdos ela está
presente. E isto vale para a História, que que vale para Matemática, que vale
para Língua Portuguesa, que vale para Artes, que vale para Educação Física,
enfim, para todas aquelas disciplinas que compõem aquela estrutura curricular.
Linguagens
O aluno vai expressar seus saberes sobre projeto com palavras,
apenas com palavras? Com palavras escritas, com palavras verbais com gráficos,
com colagens, com uma apresentação de coral, com uma apresentação mímica, com
movimentos de natureza gestual? Então, a etapa das linguagens, diria, que é
aquela maravilhosa etapa que todas as inteligências dos alunos passassem a ser
suscitadas naquele contexto de uma apresentação.
O que o nosso projeto trabalhou
linguisticamente? O que nosso projeto desenvolveu quanto às competências
lógico-matemáticas? Quais foram as habilidades desenvolvidas no ponto de vista
mecânico-motor no nosso projeto? Houve, em nosso projeto, alguma vinculação com
a sonoridade, com a musicalidade? Houve vinculações com a natureza, com o
ambientalismo, com a ecologia? Houve relações intrapessoais, interpessoais,
existenciais? E tudo isso expressa nesse sentido linguagem.
Contextualização
O passo seguinte do projeto é aquele que mais significatemente envolve
o aluno: é o passo da contextualização.
O que significa contextualização?
Trazer o projeto para o contexto do aluno. O aluno quando participa do projeto
não aprende apenas a fazer projetos, mais aprende a se valer daqueles saberes
que o projeto lhe trouxe, na vida que ele tem. E, nesse sentido, é muito que
ele faça depoimentos e que o projeto abrigue estes depoimentos.
Uma extremamente artificial são os
coordenadores, diretores do projeto dizer: “O que meu aluno aprendeu nos
projetos ele vai usar nas compras do supermercado. Os saberes que ele aprendeu
nos projetos vai permitir que ele possa se envolver nas notícias que ele colhe.
Ele vai ler uma revista de maneira diferente do que ele leria antes de
desenvolver o projeto. ”
Outra coisa é esta contextualização
dita pelo aluno. Claro que quem vai estimular é o professor, mas quem vai
buscar esta contextualização, realmente, é o aluno. Portanto, para
contextualizar é fazer com que aluno perceba que ele não está aprendendo a
trabalhar em projetos porque aquilo faz parte de um apêndice de sua vida
acadêmica, mas porque aquilo tem validade pra ele, até, quem sabe, no
campeonato de botão que ele vai resolver organizar. E ele organizará a tabela,
porque ele tem certa perspicácia na organização do projeto e, portanto, na
definição daqueles princípios. Por isto é um passo muito importante.
Linha do Tempo
Parece-me que chega a hora de se pensar a linha do tempo. A linha
do tempo é projetar todos esses passos dentro de uma visão de tempo.
Quanto vai durar nosso projeto? Um
mês. Vão durar dois meses? Se vão durar dois dias, quanto cabe para a
apresentação, quanto cabe para trabalhar as ideias principais? Quanto tempo
envolve as habilidades operatórias? Enfim, distribuir os passos do projeto pela
linha do tempo.
Não creio que essa limitação do
tempo deva ser absolutamente inflexível. Acho até que os projetos são aqueles
que propõem certa maleabilidade. Mas é absolutamente inconcebível que, às
vezes, o projeto não conclua, não termine, porque houve uma má perspicácia
quanto a linha do tempo e o ano letivo terminou, o semestre terminou, as provas
chegaram, ou aconteceu qualquer coisa e não deu para terminar o projeto. Isso e
uma fracasso injustificável, imperdoável e o que vai dar a dimensão do fracasso
é esta linha do tempo, não apenas interiorizada, mas materializada, escrita no
espaço. Quer dizer, qualquer um dos participantes deve ser capaz de colocar o
dedo e dizer: “Estamos aqui, devemos estar ali, precisamos correr um pouquinho
mais. Ou, podemos ir de uma maneira mais serena, porque de certa forma o tempo esta
se concretizando”.
Avaliação
E o último passo do projeto, não poderia deixar de ser, é o passo
da avaliação. Esta avaliação é imprescindível.
Foi um ótimo projeto! Ora, foi um
ótimo projeto, o que fundamenta esta palavra ótimo? Esta palavra ótimo é
fundamentada por aquilo que fundamenta uma escola. Uma ótima escola é onde
ocorre aprendizagem.
Este levou uma aprendizagem? Esta
aprendizagem é palpável? Esta aprendizagem é avaliável? Meu aluno era um, antes
de começar o projeto, ele tornou-se outro após a consecução do projeto? Então,
esta avaliação esta muito além de uma eventual apresentação do projeto aos
pais, numa noite de solenidade escolar, onde os pais, às vezes encantados pela
apresentação de seus filhos aplaudem.
Mas ninguém é capaz de dizer o que
seria do aluno se o projeto não tivesse sido feito e, portanto, até que ponto
realmente ele galgou aqueles caminhos de uma verdadeira aprendizagem?
Reitero que a finalidade de toda
escola, da educação infantil ao ensino superior, é se constituir num centro
epistemológico. Num lugar onde se aprende a aprender. Num espaço onde se
aprende a pensar. Num centro social. Num espaço provocador de solidariedade,
estimulador de relações interpessoais, configurador de sentir o outro em si,
sentindo-se no outro.
O terceiro objetivo, o terceiro
papel da escola, é ser um lugar onde se acordam competências para o trabalho,
para ação, para o pensar e o agir. E parece-me, são esses os paradigmas que
devam ser aqueles que vão avaliar o projeto.
O aluno aprendeu? O aluno sabe fazer
um projeto? O aluno sabe buscar fontes? Sabe ter referências? Sabe elaborar
objetivos, sabe desenvolver habilidades operatórias? Sabe diversificar
linguagens para uma apresentação? Muito bem, o objetivo epistemológico está
cumprido.
Este contribuiu para melhoras as
relações interpessoais? O aluno sentiu a magia da solidariedade, magia esta que
não existe naquela escola convencional, onde os alunos colocados um atrás do
outro são excitados pelas notas a competir, mas não a se solidarizar. O projeto
abre campo para solidariedade. Mas essa solidariedade foi percebida, foi
instigada, foi provocada? O professor soube mostrar que, mesmo alunos de idades
diferentes, de saberes diferentes, tem contribuições expressivas a dar? Que o
projeto não é prerrogativa daqueles mais intelectualizado, mas é uma ação
coletiva, onde todos se incorporam para aquela meta?
E, finalmente, será que o aluno
aprendeu a fazer? Será que ele desenvolveu as competências para a ação e,
portanto, após terminar o projeto, ele sabe apresentar uma visão sistêmica
sobre o todo? Ele sabe, enfim, argumentar, sentiu-se “antenado”, sabe o que é
se fazer uma pesquisa, ele sabe socializar? Aí sim, mesmo que a apresentação
para os pais não seja reverenciada com a beleza incomensurável, o professor tem
a certeza de que ele fez um grande trabalho e de que o aluno não seria o aluno
que é, se não fosse a sua intervenção e o seu papel na consecução dos seus
projetos.